in Malditos pensamentos que escapam
(Contos)
Quase te ouço
Por Adriana Janaína Poeta
Por Adriana Janaína Poeta
CPF.:01233034782
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Djanira chegou em casa, após o trabalho. Passava das 20:30h. Cansada, foi direto para o quarto.
Tomou banho, escolheu roupas confortáveis, levou as roupas sujas até o cesto, na área de serviço.
Foi, em seguida, até a cozinha. Buscou, na geladeira, a tigela com alface. No armário, a lata de atum, em conserva, sólido. Lavou as folhas de alface, cuidadosamente. Abriu a lata de atum. Pôs algumas folhas de alface no prato, o atum, sem o óleo, sobre as folhas, mostarda, azeite extra virge, um copo com refrigerante... Pegou os talheres e foi para a sala, tendo o que preparara nas mãos, aonde a irmã estava, assistindo a tv.
Sentou-se, no sofá, ao lado da irmã. Na tela, um filme repetido, "desinteressante."
- Só tem isso para assistir... - Murmurou a irmã, entediada.
- Tem certeza? - Indagou Djanira. Bernadete pegou o controle remoto, começou a mudar de canal. Ainda não tinham tv à babo, não havia streamming. Assistiam a tv aberta. Havia das em que a programação dava sono.
- Viu?...
- Então... - Disse Djanira, sorrindo.
- Não... - fez Bernadete, rindo, percebendo o que a irmã sugeria.
- Sempre que não há o que assistir, nesse horário, temos o programa de humor da madrugada...
- Deve estar passando, ainda...
- "Quase te ouço!" - Exclamou Djanira, com o controle remoto na mão. Era um programa que passava tarde da noite, ao vivo, em um canal, para ouvir desabafos, lamúrias e reclamações dos insones. As pessoas telefonavam, falando diretamente com os apresentadores. Havia um que ficava mais tempo, apresentando, que não conseguia conter o riso, em certos momentos, mas tentava. Djanira o apelidara:
- Boquinha.
- O quê?
- O apelido dele agora é esse.
- Por quê?
- Já reparou que le tenta não rir do povo, reclamando, choramingando, dizendo cada coisa?!...Ele tenta disfarsar, segurando os lábios, com a mão, ou apertando os lábios. Entorta a boca. É engraçado... Boquinha, o apresentador que quase ouve...
Então, Boquinha apresentava o programa, naquela noite. De pé, mãos unidas, na frente do corpo, olhar tentando demonstrar seriedade, interesse, a boca já entortando, devido ao que ouvia, de terno e gravata, elegante, como os demais apresentadores, parecia refletir.
- ...Então, tudo o que a senhora tem que fazer, é ir,neste domingo na... - Dizia Boquinha, dizendo o endereço, horário, no domingo, para quem telefonara e falava com ele.
- É?... - Fez quem falava, no ar, com o apresentador, a voz pensativa, madura, feminina.
- Será muito bem recebida pelo... - Formeteu o nome de um senhor, responsável pelo local. - Todos os seus problemas, dúvidas... Serão varridos. No momento que a senhora atravessar aquela porta...
- Mas, o senhor entende?... Eu ainda não contei tudo...
Mas, indo, neste dominho, no endereço que forneci para a senhora, procurando o senhor... Não haverá mais problemas! Tudo será resolvido! A senhora verá que uma luz surgirá, com a solução! Todas as amarras serão cortadas! Todos os empecilhos, desaparecerão!... - E Boquinha continuou com o discurso, conhecido, padrão dos apresentadores do programa.
- Mas... O senhor não entende!...
- Eu entendo!
- Não, não entende! Vou repetir tudo. Talvez o senhor entenda, desta vez...
- Não precisa repetir, por favor...
- Eu sou viúva! Meus filhos não me visitam. Perdi a minha peruca, há uma semana!Caiu, quando eu esatav fazendo compras... Acho que foi no mercado... Pode ter sido no Banco... Ou na farmácia?
- A senhora contou!
- Não interrompa! O nome do progarma é: "Quase te ouço"? Tente ouvir, calado.
- Está bem... - Disse o apresentador, deixando escapar um suspiro, cansado.
- Posso ter perdido a peruca no ponto de táxi! Estava com o carrinho, a bolsa, o guarda chuva, o celular...
- Estava chovendo?
- Não! O senhor ainda está interrompendo?... Sempre levo o meu guarda chuva! Pode chover... Mesmo quando faz sol. Nunca sabemos! E não gosto de molhar a minha peruca! Cuido bem dela, viu?...
- A senhora perdeu a peruca?...
- Já chorei! Voltei a todos os lugares... Acho que alguém pegou...
- Compre outra, senhora.
- Não! Eu quero aquela!
- Entendo.
- Não entende, não! O senhor usa peruca?
- Não.
- Então, não pode entender! A gente se acostuma, sabe? É a peruca confortável, que representa quem a usa. Não gosto dos meus cabelos naturais. Deixo curto, ponho minha peruca, há anos. O senhor acha que alguém pegou a minha peruca?
- Não sei...
- Acha que estão judiando dela?
- Da peruca?... - Indagou Boquinha, já levando as mãos aos lábios, tentando disfarsar uma risada.
- Tem tanta gente ruim no mundo!... O senhor sabe!... É uma peruca tão bonita! O senhor acha que eu vou encontrar?
- Minha senhora... Eu não tenho como saber...
- Como não? O senhor não pode descobrir, me ajudar?
- Como, senhora?
- Para que o senhor está aí?
- Para ouvir.
- Não! Para ajudar...
- Está bem.
- Não! Não está nada bem! Perdi a minha peruca! O senhor vai fazer o quê?
- Eu?
- Quem mais? Esse outro... que o snehor indicou, no endereço... Vai ajudar?
- A senhora terá que ir..
- Eu já sei! já sei! Já anotei tudo! Acha que alguém pegou a minha peruca...Por maldade?
- É possível.
- Acha que vão fazer um trabalho com ela? Sabe?...Uma coisa para desejar o meu mal...
- Pode ser! Pode ser...
A senhora desatou a chorar. Djanira parara de comer, desde o início, rindo, divertida com o diálogo, e Bernadete também ria.
- Estão judiando da minha peruca1
- A senhora vai? No domingo? Procurar... No endereço? As...horas da manhã? Se a senhora for, todos os seus problemas serão resolvidos.
- A minha peruca vai estar lá? Vai? Vou encontrar a minha peruca neste endereço?
- A senhora precisa ir.
- Eu vou! Eu vou! Mas, se eu não encontrar lá a minha peruca...Vou até aí, moço!
- O quê?
- Porque esse é o meu maior problema.
- Senhora...
- Se eu não encontrar a minha peruca, neste endereço... Não vou acreditar em mais nada!..
- Não esqueça! A senhora tem o compromisso! Neste domingo.
Tu-Tu-Tu-Tu-Tu-Tu... ( A ligação caiu, ou desligaram).
- Alô? - disse uma voz masculina, descansada, com sotaque nordestino.
- Alô? Quem fala?
- Alcides.
- Sr. Alcides...
- Alcides.
- Já entendi.
- Alcides.
- Senhor Alcides, pode falar.
- Eu só liguei.
- O quê?
- Alcides.
- O senhor já disse o seu nome.
- Eu estava sem ter o que fazer. Liguei a tv... Eu sou um homem sozinho, sabe? Bebi um pouco. Então... Vi o telefoen na tela...Escutei o senhor conversando... Ouvindo... A senhora da peruca...Pensei... Vou salvar este cabra, dessa doida! Homem, que paciência, hein?...- E dizendo isso, Alcides começou a rir. Boquinha pôs as duas mãos na boca, tentando se conter, até conseguir ficar sério de novo. - Eu já tinha mandado ela pentear um macaco! Catar coco! Varrer o chão, arrumar gavetas... Comprar uma peruca!
- Não, não...
- E que diabos, hein? Se ela for no endereço que o senhor deu... Como ela vai encontar a peruca? Tem que comprar uma! Na loja de perucas... - Alcides desatou a rir. Boquinha deu um giro, ficando de costas, lutando contra arisada, até retomar a postura respeitável, sério, ouvinte profissional.
- Qual o seu problema, senhor Alcides? - Indagou.
- Alcides.
- Já sei. O seu nome é Alcides.
- Não me chame de senhor. Só Alcides.
- Sei... Mas... é sinal de respeito, chamá-lo de senhor.
- Alcides. Só Alcides. Me sinto velho, quando alguém me chama de senhor.
- Alcides...Qual o seu problema?
- Não tenho, não.
- Não tem problemas?
- Não.
- Nenhum?
- Bom... As vezes, fura um pneu do carro, quando chove...Encrava uma unha...A pipoca doce...Sabe?... Aquela do saco rosa? Lembra a minha infãncia. Compro sempre. Todas deveriam estar açucaradas. E não estão, nunca! E o biscoito, água e sal com gergelim? O gergelim era torrado, agora, não é mais! Muda o sabor! Esse povo não sabe?
- Que problema, hein?...
- Não é? O cabra compra os biscoitos, por causa do sabor, do gergelim torrado, no biscoito, água e sal...E não tem mais gergelim torrado!..
- Alcides...
- O senhor...- Começo a dizer Alcides, desatou a rir. - Não vai me dizer para ir a algum lugar, no domingo, e procurar alguém, vai? Porque eu sei que não vai ter saco com pipocas, todas açucaradas, ou biscoitos de água e sal, com gergelim torrado, lá!
- Alcides... - Começou a dizer boquinha, entre rizadas.
- E não me mande para o mesmo endereço aonde estará a dona da peruca!...

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