terça-feira, 4 de novembro de 2025

Parte Por Adriana Janaína Poeta CPF.:01233034782 in O Carneiro Nº 5/ Volume I Conto/ ficção Todos os direitos reservados. Escrito em 18/10/2025

Parte Por Adriana Janaína Poeta CPF.:01233034782 in O Carneiro Nº 5/ Volume I Conto/ ficção Todos os direitos reservados. Escrito em 18/10/2025 Enquanto eu digito, invadem o sistema, o Wi fi, inserem erros gramaticais, de formatação, movem arquivos. Corrijo quando percebo. Benvindo olhou-se no espelho, cabelos lisos, pretos, nem curtos, nem longos, corte tradicional, mantido há décadas. Havia alguns fios de cabelos brancos, mas ainda sentia-se jovem. Deixou o banheiro, atravessou o corredor, já estava na sala quando o telefone tocou. - Alô? - Benvindo? - Sim?... - Eu sou Sidnei Porto. - Eu , Benvindo Souza. - Disse Benvindo, sério. Risos, do outro lado. - O quê quer, amigo? - Sou jornalista. Gostaria de entrevistá-lo. - Você deve ligar para a minha secretária e agendar. - Gostaria que fosse hoje. - Hoje? - À tarde. - Mas... Já são 16 horas... - À tarde... Às 17 horas. O quê acha? - Amigo, ligue para a minha secretária. Agende. Tem o número? - Tenho. - Boa tarde. - Disse Benvindo, desligando o telefone. Respirou fundo. Era escritor, amava o que fazia, mas o incomodava, embora não revelasse isso, a abordagem, invasiva, de certos jornalistas, até mesmo de alguns leitores. Era autor, conhecido, mas também ser humano. Tinha vida privada, direito a ela. Trabalhava muito, reservava tempo para os leitores, a imprensa, outros autores, veteranos e novos, editores, livreiros... Mas, queria ter algum tempo para ser apenas um ser humano comum. Caminhar pelo calçadão do Leblon, sem ter que conversar com ninguém, responder as repetitivas perguntas, a maioria, confusas, capciosas, atravessadas, destituídas de sentido, vazias. Refletir, apreciar as cores da praia, o céu azul, a solidão. Buscar inspiração, ou simplesmente ficar em silêncio. Era bom saber que o conheciam, que sabiam que era escritor, mas as vezes, queria sossego, um tempo para ser apenas um homem, como qualquer outro. Havia os perseguidores. Estes, diferentes dos demais, eram afoitos, irônicos, maliciosos, agressivos. Pareciam dispostos a atravessá-lo com os olhos, como se fossem lâminas... Impressioná-lo, assustá-lo, incomodá-lo, acuá-lo... Meter a mão no seu peito, puxar um zíper, arrancar a sua existência de dentro da carcaça, e entrar nela, pensando que poderiam tornar-se quem ele era. Como poderia saber, com certeza, quem de fato o admirava, quem apenas queria entrevistá-lo, e quem desejava apenas atacá-lo, pressioná-lo, despejar o que achavam que ele precisava saber ou ouvir, tomar ciência das existências alheias, desconhecidas?... Era o que na última década, e tratamos dos anos 80 até os 90, atuais, estava disseminado, proliferando nas ruas, por toda parte, inclusive no Leblon. Antes, era bom ir à praia, caminhar pelas ruas do Leblon, ouvindo os pássaros, cada vez mais raros no local, o mar... Sem ser incomodado, recebendo os sorrisos, eventuais, os cumprimentos breves, ou encontrando os amigos, escolhendo as conversas. Benvindo abriu a porta do apartamento, saiu, fechou, trancou. Em pouco tempo, ganhava a rua, seguindo pela calçada até a esquina da praia. Precisava escolher: atravessar a rua e ir para a praia, ou seguir pela calçada, dobrando a esquina? Sentar na cadeira de um restaurante, na parte externa, ou caminhar, refletir?... Decidiu caminhar, daquele lado e calçada, e dando os primeiros passos, dois homens jovens o rodearam, um de cada lado. Um, cabelos castanhos, lisos, sério, o outro, cabelos negros, cacheados, olhos claros, sorridente. Ambos o olhavam nos olhos, de forma penetrante. - Como vai, senhor Benvindo? - Bem, e vocês? - Sou seu fã! - Eu também! - É mesmo? Qual dos meus livros interessou mais a vocês? _ Indagou Benvindo, sério, cuidadosos. Silêncio. - Foi o que pensei... - Sabemos que o senhor é um dos grandes escritores do nosso tempo! Faz parte da Academia! - Sei... - Podemos acompanhá-lo? - A calçada é pública. Fiquem à vontade. - Respondeu Benvindo, sem parar de andar. Os dois, cada um de um lado, à direita, a esquerda. o da direita, que não sorria, pouco falava, andando mais devagar, um pouco recuado, e Benvindo quase não podia observá-lo, de soslaio, como fazia com o sorridente. Era um sorriso congelado, artificial. - O que o senhor faz? - escrevo. - Não... Quero saber como faz para escrever tão bem? Ser um sucesso, conhecido, famoso?... Benvindo queria apertar um botão e desaparecer, teletransporta-se, como nos filmes de ficção, para uma parte da orla ou calçada, onde os dois estranhos não estivessem. - escrever é um exercício. Os senhores escrevem? - Indagou Benvindo. O sorridente riu, sacudindo a barriga, sem gordura, sob a camisa justa, buscando o amigo que o acompanhava, com os olhos. O outro deixou escapar um breve sorriso. - O senhor é um sucesso! - Sou... - Eu queria poder ser um dedinho como o senhor!... - Escritor? - Não... Um sucesso! Famoso! - E vocês fazem o quê? É preciso fazer algo, muito bem! Para se destacar é preciso ter algum conteúdo. Tem o fator imponderável, também envolvido. Chame de sorte, se quiser. Mas, é preciso ter alguma habilidade, entende?... - Conteúdo? - fazer algo muito bem, gostar do que faz. Não fingir ser: ser! Não tentar impressionar, não se importar tanto com os resultados, com o que vão achar, porque o que faz é bom, tem substância. Senão, somos apenas atores na vida real. Não é bom, concorda?... - O senhor poderia nos ajudar. - Ajudar vocês? Como? - A ser como o senhor. - Como eu?... - Famoso! Conhecido! - Mas, o que vocês fazem, afinal? - Para ser um sucesso, é preciso fazer o quê? - Já percebi que você não ouviu nada do que eu disse!... - Ouvi! - Não, não ouviu!... Por favor, com licença... Tenho um compromisso. Quis os nomes de vocês? Aqui nos despedimos... Duas décadas se passaram, desde aqueles anos 90. Benvindo continuava morando no Leblon, agora espremido entre prédios residenciais, comerciais. O bairro estava mais barulhento, apinhado de gente, veículos. O que salvava era a praia, que continuava a mesma, para onde sempre ia, caminhar, sentar em um banco de pedra, refletir, ver o mar. Benvindo, naquele início da tarde, agora tinha os cabelos brancos, o rosto envelhecido, o olhar mais pesado, a expressão mais desconfiada, cansada. Fazia o que sempre fazia. Quando encontrava tempo, não chovia, deixava o apartamento, ia caminhar, ver a praia de perto. Na esquina decidia, ir para a praia ou andar pela calçada?... Foi quando dois homens o rodearam, um sorridente, à direita, o outro, sério, à esquerda... -------------------

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